sexta-feira, 27 de abril de 2012

Foucault: o pensamento, a pessoa


Orientação: Prof. Dr. Pedro Navarro                                                
Organização: Alessandro Alves da Silva
              
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Foucault: o pensamento, a pessoa
Paul Veyne
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Não, Foucault não era um pensador estruturalista. Também não foi fruto de um certo <<pensamento de 1968>>; não era mais relativista do que historicista, nem do gênero de farejar ideologia por toda a parte (Paul Veyne).

A postura epistemológica de Foucault não consistia em reduzir o real ao discurso, mas em lembrar que, desde que um real é enunciado, ele já está sempre discursivamente estruturado.  Nesse sentido, a afirmação da irredutível diversidade das colocações em discurso não implicava nenhum idealismo que reduzisse a realidade ao pensamento, nenhum relativismo ontológico (SCHAFFER apud VEYNE, 2011, p. 85).

N
o livro “Foucault: o pensamento, a pessoa”, Paul Veyne inicia os seus apontamentos dizendo que Michel Foucault não era nem estruturalista, nem niilista, nem fruto de algumas convenções da ciência da época. Embora Foucault estivesse imerso em meio ao estruturalismo europeu da época, ele não era estruturalista.
Paul Veyne e Michel Foucault eram amigos e Veyne revisava os textos de Michel Foucault, fazendo, inclusive, apontamentos em relação às ideias do filósofo francês. Aos que acusavam Foucault de ser estruturalista, Veyne (2011) nos mostra que ele não estava preocupado em saber se um discurso era verdadeiro ou não, se era objetivo ou não, mas sim de perceber as condições de emergência dos saberes e dos poderes.
Ele também diz que

Foucault não foi inimigo do homem e do sujeito humano que se julgou que fosse; considerava, simplesmente, que este sujeito não podia fazer cair do céu uma verdade absoluta, nem agir soberanamente na constelação das verdades (VEYNE, 2011, p. 06).
           
Tanto em A gramática do homicídio (2008) quanto em A vida dos homens infames (2006) podemos perceber que a “morte do homem” aponta para o fato de que ele não é a origem adâmica do seu dizer – ele não é um adão linguístico do qual nasceriam discursos. Ele é falado, é descentrado em meio aos vários saberes e poderes que o constituem como sujeito.
Quando Foucault[1] publicou a sua História da Loucura, Veyne e outros historiadores viram este livro, de certa forma, como um livro ordinário qualquer que se dedicava a mostrar que os conceitos ou ideias de loucura variaram ao longo dos séculos. Eles, de certo modo, não perceberam que este livro se dedicava, dentre outras coisas, às condições de emergência dos saberes com tipos específicos de poderes.

Pensamos as coisas humanas através de coisas gerais que julgamos adequadas, quando nada do que é humano é adequado, racional ou universal. E isto surpreende e inquieta o nosso bom senso (VEYNE, 2011, p. 14-15).

Veyne nos diz que a pesquisa foucaultiana trabalha com a verdade através dos tempos e que cada um só pode pensar conforme a sua época; conforme o seu aquário. Relendo Veyne e Foucault, percebemos que é nítida a preocupação de Foucault com as condições de emergência dos saberes e dos poderes nos discursos do ocidente.
Ainda no que se refere à questão da verdade em Foucault, Veyne (2011, p. 16) cita Nietzsche, Wittgenstein, Willian James, Austin, Ian Hacking, e muitos outros, dizendo que “o conhecimento não pode ser o espelho fiel da realidade”.  Isso quer dizer que não há uma relação direta entre as palavras e as coisas, entre a linguagem e o mundo, entre o conhecimento e o mundo. Tudo isso é mediado pelo discursivo.
“A” verdade ou “o verdadeiro da época” ou o “efeito de verdade” – as nomenclaturas variam – podem ser entendidos em Foucault como o que se está relativamente bem assentado nas regras de formação de um discurso.

O que é então que Foucaul entende por discurso? Algo muito simples: é a descrição mais precisa, mais concisa de uma formação histórica em sua nudez, é a atualização de sua última diferença individual. Ir assim até a differentia ultima de uma singularidade datada exige um esforço intelectual de aparcepção: é preciso despojar o acontecimento dos drapeados demasiados amplos que o banalizam e racionalizam (VEYNE, 2011, p.16-17).

            O discurso é uma prática que se relaciona a uma função enunciativa relacionada a um grupamento de enunciados em sua relação saber/poder. O objeto de discurso, ou seja, o que é falado pelo discurso (o idoso, o executivo, o professor e o aluno, etc) vai sendo construído discursivamente por meio de saberes. A escrita de si – quando um sujeito resolve escrever sobre si – também é atravessada por saberes.

A cada época, os contemporâneos estão, portanto, tão encerrados em discursos como em aquários falsamente transparentes, e ignoram que aquários são esses e até mesmo o fato de que há um. As falsas generalidades e os discursos variam ao longo do tempo; mas a cada época eles passam por verdadeiros. De modo que a verdade se reduz a um dizer verdadeiro, a falar de maneira conforme ao que se admite ser verdadeiro e que fará sorrir um século mais tarde (VEYNE, 2011, p. 25).

A citação acima nos aponta para o fato de que Foucault trabalhava a verdade através dos tempos, mas ele não estava preocupado em saber se um discurso era verdadeiro ou não, pois sabia que as verdades variam de acordo com o a priori histórico (aquário de determinada época que engloba tudo). Os discursos de cada época estão encerrados dentro destes aquários, e para se analisar um discurso é preciso levar em consideração alguns processos teóricos e metodológicos.

Explicitar um discurso, uma prática discursiva, constituirá em interpretar o que as pessoas faziam ou diziam, em compreender o que supõem seus gestos, suas palavras, suas instituições, coisa que fazíamos a cada minuto: nós nos compreendemos entre nós. O instrumento de Foucault será, portanto, uma prática cotidiana, a hermenêutica, a elucidação do sentido (VEYNE, 2011, p. 26).

O discurso, em Foucault, tem, portanto, um caráter semiológico, pois não se prende apenas à materialidade linguística. Ele considera outras materialidades discursivas: imagens, gestos, etc.

Mesmo que não esteja oculto, o enunciado não fica visível; ele não se oferece à percepção como o portador manifesto de seus limites e de suas características. É preciso uma certa conversão do olhar e da atitude para poder reconhecê-lo e considerá-lo em si mesmo. Talvez ele seja demasiadamente conhecido que incessantemente se furta, talvez ele seja [uma] transparência demasiadamente familiar (SCHNEIDER, 2004, p. 145 apud VEYNE, 2011, p. 31).

Este enunciado precisa ser “escavado” pelo analista de discursos, dadas as relações de saber e de poder inerentes a ele. Tomando como exemplo o enunciado verbal, em formato de slogan publicitário, intitulado “Danoninho vale por um bifinho” (coletado por Sírio Possenti), se fossemos fazer uma análise linguística do mesmo, diríamos, talvez, que temos dois substantivos (nomes) no diminutivo, um verbo com significação plena, uma preposição e um artigo indefinido. Relacionaríamos, talvez, esta análise linguística com as questões de sentido inerentes ao enunciado, mas nossa análise deixaria de lado as relações saber/poder.
O problema é que este enunciado não é algo que fica preso apenas às estruturas linguísticas (ao sintagma e aos seus complementos, por exemplo). Mesmo lendo e analisando a estrutura linguística deste enunciado, deixaríamos de fora as relações de saber e de poder que o constituem como enunciado. É isso o que Michel Foucault propõe em seu método arqueogenealógico de análise de discursos: descrever as relações de saber e poder.
Portanto, face ao método arqueogenealógico de análise de discursos proposto pelo filósofo francês Michel Foucault, percebemos que cabe ao analista de discursos descrever as relações de saber e poder inerentes aos enunciados, sejam eles verbais, imagéticos, etc.

REFERÊNCIAS
FOUCAULT, M. A Vida dos Homens Infames. In: FOUCAULT, M. Estratégia, Poder-Saber. 2ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. (p. 203-222)

_____________. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.

ROUANET, S. P. “A gramática do homicídio”. In: ROUANET, S. P. & MERQUIOR, J.G. (orgs.)  O homem e o discurso. A arqueologia de Michel Foucault. 2ª.ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2008, p. 91-139.

VEYNE, P. Foucault: seu pensamento, sua pessoa. Trad. Marcelo Jacques de Morais. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p. 01-39.


[1] Foucault nos mostra, em seus textos, que somos o que as práticas discursivas produzem sobre nós. Colocando esta asserção em termos práticos, podemos citar o exemplo do sujeito executivo. A ideia de um sujeito executivo “comprometido, interessado, obstinado e realizador” (NAVARRO e SILVA, 2012) não “caiu do céu”, nem é fruto da “bruma dos tempos”, mas foi sendo assentada na ordem dos discursos por meio de práticas discursivas midiáticas e neoliberais, que são atravessadas por vários saberes (medicina, psicologia, economia, direito, etc) e que se constituem em poderes, que posicionam estes executivos como sujeitos competitivos.

Um comentário:

  1. Além de extremamente antipático, esse recurso do "quer roubar nossas informações" limita seu blog. Fica impossível dar um control L ou F para fazer uma pesquisa e encontrar, dentro do conteúdo, a parte que se quer ler. Se é para não ser lido, para que publicar?

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