domingo, 11 de setembro de 2011

Os limites da vida: da biopolítica aos cuidados de si

Orientação: Prof. Dr. Pedro Navarro
Organização: Bruno Franceschini

Os limites da vida: da biopolítica aos cuidados de si
PORTOCARRERO, V. Os limites da vida: da biopolítica aos cuidados de si. In: ALBUQUERQUE JUNIOR, D. M. de.; VEIGA-NETO, A.; SOUZA FILHO, A. (orgs). Cartografia de Foucault. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.


Neste texto, Vera Portocarrero discute um importante conceito que perpassa o trabalho de Michel Foucault: a noção de vida. O homem e a vida enquanto objetos de estudo são trabalhos pelo filósofo em três grandes instâncias de sua ontologia, a saber: a arqueologia, a genealogia e a estética de si. Em cada uma dessas instâncias, Foucault procurou problematizar a questão da vida sob diferentes vieses.
Num primeiro momento, em sua empreitada arqueológica, Foucault buscou na biologia, na economia e na história as condições de existência e de possibilidade da vida enquanto objeto de saber, aquilo que propiciou ao homem à possibilidade de tornar-se “objeto das ciências empíricas”.
Já na perspectiva genealógica, Foucault procura pensar acerca das relações de poder que incidem sobre a vida e o homem com vistas a descrever de que modo a articulação das ciências biológicas “com outros campos de saber e de práticas (como as pedagógicas, militares, industriais, médicas, por exemplo)” produzem saberes sobre os indivíduos, objetivam-no.
Por fim, na última fase dos trabalhos de Foucault, a vida e o homem remontam à Grécia antiga, onde a vida era tomada “como obra de arte”. Nessa fase, Foucault baseia-se nos conceitos de askesis e da parrhesia, os quais dizem respeito aos cuidados de si, às “experiências modificadoras da existência do indivíduo, cuja finalidade é transformar o ser mesmo do sujeito.”.
Nessas práticas do cuidado de si, o sujeito subjetiva-se de modo a relacionar-se melhor consigo mesmo, procurando harmonizar os conceitos morais da sociedade com os conceitos éticos estabelecidos por ele, haja vista que nesse processo de transformação, o sujeito procura “ter acesso à verdade e estabelecer para si um modo de vida ético, belo, brilhante e heróico”.
Desse modo, a autora levanta alguns questionamentos acerca da noção de vida nos trabalhos de Foucault:
A) As condições de existência das formas modernas de objetivação do sujeito pelos saberes;
B) As formas de objetivação pelos poderes;
C) As condições de possibilidade de formas de subjetivação ativas realizadas por meio de experiências de transformação do modo de vida do indivíduo por si mesmo, afastada dos procedimentos modernos de normalização.
Sobre o primeiro e segundo tópicos, é preciso compreender a arqueologia e a genealogia foucaultiana. A respeito da primeira, Foucault pretendeu pensar sobre a singularidade de um acontecimento, a irrupção de um saber, em especial de um saber sobre o homem e a vida. Já a genealogia está voltada à compreensão de como houve investimento de poder para a constituição de uma determinada singularidade para a ocorrência de um acontecimento.
Na perspectiva de uma genealogia sobre a vida e o homem, o trabalho com o conceito de biopolítica se mostra importante, uma vez que a genealogia, de forma ampla, compreende o poder disciplinar e o exercício desse poder que individualiza o sujeito, já a biopolítica, parte integrante da genealogia, diz respeito ao poder “que se exerce sobre a vida das populações” e que “opera com controles precisos, regulações de conjunto e mecanismos de segurança para exigir mais vida, majorá-la, geri-la.”
É nesse ponto que há um encontro entre o governo de si e o governo dos outros, haja vista que o sujeito, em um momento, está investido por uma rede de poder a qual tem legitimidade para distinguir o normal-anormal, e, em outro momento, o sujeito precisa governar a si mesmo sendo, desta forma, estabelecida pelo sujeito uma relação de resistência, como expõe Portocarrero:

“Pois uma relação de poder se articula sobre dois elementos que lhe são indispensáveis: primeiro, que o outro (aquele sobre cuja vida se exerce) seja inteiramente reconhecido e mantido, até o fim, como sujeito de ação; segundo, que se abra, diante da relação de poder, todo um campo de respostas, reações, efeitos e invenções possíveis.”

Assim, Foucault observa que o governo de si e dos outros é exercido pelas práticas de confissão, quando o sujeito tem de dizer a verdade, em especial em relação ao sexo. A esse respeito, o filósofo, segundo a autora, elaborou “a genealogia do homem e do desejo – um trabalho histórico e crítico, que estabelece um elo entre sexo, subjetividade e verdade”.
Quanto à subjetividade e à verdade, Foucault retoma ao conceito de aphrodisia e à moral judaico-cristã de modo a encontrar “o arcabouço fundamental da moral sexual européia moderna”, em especial, o filósofo procurava trabalhar os conceitos de moral e de ética, conceitos estes intimamente ligados às formas de subjetivação e aos cuidados de si.
A moral está relacionada aos valores e regras estabelecidos pelas instituições sociais às quais os indivíduos submetem-se ou não às condutas e os valores estabelecidos socialmente. Já a ética está voltada ao modo pelo qual o sujeito estabelece para si o seu próprio estilo de portar-se perante aos códigos morais estabelecidos. Portanto, no pensamento foucaultiano, o sujeito é livre para pensar sobre como comportar-se. A essa liberdade do sujeito para governar a si mesmo, está imbricada, também, a questão do discurso e da verdade, a parrhesia.
O conceito de parrhesia está ligado à questão da verdade, a qual era verificada com base na “correspondência entre o discurso e o modo de vida com o qual aquele que fala se acha comprometido”. Ao fazer a arqueogenealogia dos saberes sobre a vida e o homem enquanto objetos de poder e de saber que determinavam a conduta dos indivíduos, bem como das técnicas de si, quando o sujeito efetua mudanças em seu comportamento visando certa melhora no seu modo de agir.
A questão da parrhesia, para Foucault, serviu de base para a formulação de certos aspectos teóricos como as modalidades enunciativas, em especial, naquilo que diz respeito à questão de quem está autorizado a dizer a verdade e sob quais circunstâncias. Nessa perspectiva, a autora finaliza o texto evidenciando o objetivo das problematizações de Foucault, as quais estavam voltadas à emergência de certos acontecimentos até então sem importância, irrompem e passam a ser discursivizados, a ser problematizados, como a questão da loucura.

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