quinta-feira, 23 de setembro de 2010

A Arqueologia do Saber: As Regularidades Discursivas (Parte 2)

_RESUMO_

FOUCAULT, M. As Regularidades Discursivas. In: ________. A Arqueologia do Saber. Trad. Luiz Felipe Baeta Neves. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. pp. 21-85.

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A Formação dos Objetos

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Foucault (2008b) nos oferece três direções para a análise da formação dos objetos. Elas competem a análise das:

1 – Superfícies de emergência;

2 – Instâncias de delimitação;

3 – Grades de especificação (diferenciação);

Contudo, Foucault insiste no fato de que elas não oferecem objetos que a ciência simplesmente relaciona, classifica, nomeia, elege e recobre: “O discurso é algo inteiramente diferente do lugar em que vêm se depositar e se suporpor, como uma simples superfície de inscrição, objetos que tenham sido instaurados anteriormente” (208, p. 48).

Esses planos de diferenciação aparecem isolados à primeira vista. Mas que relação podemos estabelecer entre eles? “E como podemos falar de um ‘sistema de formação’ se conhecemos apenas uma série de determinaçãoes diferentes e heterogêneas, sem ligações ou relações assinaláveis?” (2008, p. 48).

Deve-se, ao invés de tratar 1, 2 e 3 separadamente, estabelecer entre eles relações determinadas: entre os planos de especificação, entre as instâncias de delimitação e entre as grades de diferenciação: “São essas relações que, atuando no discurso psiquiátrico, permitiram a formação de todo um conjunto de objetos diversos” (p. 49).

“Generalizemos: o discurso psiquiátrico, no século XIX, caracteriza-se não por seus objetos privilegiados, mas pela maneira pela qual forma seus objetos, de resto muito dispersos. Essa formação é assegurada por um conjunto de relações estabelecidas entre instâncias de emergência, de delimitação e de especificação. Diremos, pois, que uma formação discursiva se define (pelo menos quanto a seus objetos) se se puder estabelecer um conjunto semelhante; se se puder mostrar como qualquer objeto do discurso em questão aí encontra seu lugar e sua lei de aparecimento; se se puder mostar que ele pode dar origem, simultânea ou sucessivamente, a objetos que se excluem, sem que ele próprio tenha de se modificar” (2008, p. 49-50).

Observações e consequências:

Não se pode dizer qualquer coisa, já que há um sistema de relações que regulam a existência ou extinção dos objetos, mas isso não é um obstáculo: “o objeto não espera nos limbos a ordem que vai liberá-lo e permitir-lhe que se encarne em uma visével e loquaz objetividade; ele não preexiste a si mesmo, retido por algum obstáculo aos primeiros contornos da luz, mas existe sob as condições positivas de um feixe complexo de relações” (2008, p. 50).

O conjunto de relações que determinam os objetos não definem a constituição interna do objeto, “mas o que lhe permite aparecer, justapor-se a outros objetos, situar-se em relação a eles, definir sua diferença, sua irredutibilidade e, eventualmente, sua heterogeneidade; enfim, ser colocado em um campo de exterioridade” (2008, p. 50-1).

Há relações primárias ou reais, relações secundárias ou reflexivas e então o sistema das relações discursivas. “O problema é fazer com que apareça a especificidade dessas últimas e seu jogo com as outras duas” (2008, p. 51).

As relações discursivas não são nem interiores nem exteriores ao discurso. Elas estão no limite do discurso e “determinam o feixe de relações que o discurso deve efetuar para poder falar de tais ou tais objetos, para poder abordá-los, nomeá-los, analisá-los, classificá-los, explicá-los, etc. Essas relações caracterizam não a língua que o discurso utiliza, mas as circunstâncias em que ele se desenvolve, mas o próprio discurso enquanto prática” (2008, p. 51-2).

“Em uma palavra, quer-se, na verdade, renunciar às ‘coisas’, [...] definir esses objetos sem referência ao fundo das coisas, mas relacionando-os ao conjunto de regras que permitem formá-los como objetos de um discurso e que constituem, assim, suas condições de aparecimento histórico; fazer uma história dos objetos discursivos que não os enterre na profundidade comum de um solo originário, mas que desenvolva o nexo das regularidade que regem sua dispersão” (2008, p. 53-4).

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A Formação das Modalidades Enunciativas

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A) Quem fala? à status de quem tem o direito a pronunciar o enunciado.

B) De onde se fala? à definir os lugares institucionais de onde o sujeito enunciador obtém seu discurso.

C) “As posições sujeito se definem igualmente pela situação que lhe é possível ocupar em relação aos diversos domínios ou gupos de objetos: ele é sujeito que questiona, segundo uma certa grade de interrogações explícitas ou não, e que ouve, segundo um certo programa de informação, é sujeito que observa, segundo um quadro de traços característicos, e que anota, segundo um tipo descritivo, está situado a uma distância perceptiva ótica cujos limites demarcam a escala da informação, deslocam o sujeito em relação ao nível perceptivo médio ou imediato, asseguram sua passagem de um nível superficial a um nível profundo, o fazem circular no espaço interior do corpo” (2008, p. 58).

O status do enunciador, os lugares institucionais e as posições sujeito se dão na relação entre o discurso e um certo número de elementos distintos (vindos de outros lugares institucionais) que circundam a prática discursiva. Contudo, esse jogo de relações não é dado a priori, mas se estabele na própria prática discursiva: “Pode-se dizer que esse relacionamento de elementos diferentes (alguns são novos, outros, preexistentes) é efetuado pelo discurso clínico; é ele, enquanto prática, que instaura entre eles todo um sistema de relações que não é ‘realmente’ dado nem constituído a priori; e se tem uma unidade, se as modalidades de enunciação que utiliza, ou às quais dá lugar, não são simplesmente justapostas por uma série de contingências históricas, é porque emprega, de forma constante, esse feixe de relações” (2008, p. 60).

“O discurso, assim concebido, não é a manifestação, majestosamente desenvolvida, de um sujeito que pensa, que conhece, e que o diz: é, ao contrário, um conjunto em que podem ser determinadas a dispersão do sujeito e sua descontinuidade em relação a si mesmo. É um espaço de exterioridade em que se desenvolve uma rede de lugares distintos. Ainda há pouco mostramos que não eram nem pelas ‘palavras’ nem pelas ‘coisas’ que era preciso definir o regime dos objetos característicos de uma formação discursiva; da mesma forma é preciso reconhecer, agora, que não é nem pelo recurso a um sujeito transcedental nem pelo recurso a uma subjetividade psicológica que se deve definir o regime de suas enunciações” (2008, p. 61).

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